Folha de ponto assinada até enquanto servidora estava na China é investigada

O áudio que flagrou o deputado Paulo Corrêa (PR) orientando o colega Felipe Orro (PSDB) a instalar ponto ‘fictício’ para registrar frequência de seus assessores, motivou denúncia de casos semelhantes entre servidores estaduais. Em Dourados, segunda maior cidade, um caso especifico virou alvo de uma ação civil pública proposta pelo MPE-MS(Ministério Público Estadual).

De acordo com o Inquérito Civil instaurado pela 16ª Promotoria de Justiça de Dourados, a servidora da SES (Secretaria de Estado de Saúde), Elisabete Kruk de Freitas Baldasso, teria deixado de comparecer ao trabalho no Núcleo Regional da Secretaria de Estado de Saúde de Dourados em várias ocasiões entre maio de 2012 e agosto de 2014, mas assinou normalmente a folha de frequência.

Segundo a denúncia, tudo com anuência da chefe, Rosa Maria Picolli Machado de Souza.

A promotoria recebeu a denúncia de que no período citado, em várias ocasiões  Elisabete viajou e postou fotos em seu Facebook, durante passeios na Espanha, Argentina, China e Rio de Janeiro, este último local durante a Jornada Mundial da Juventude, em 2013, que marcou a 1ª visita do Papa Francisco ao Brasil.

“Apurou-se que, apesar de a conduta de Elisabete, na prestação irregular de suas funções, ser de conhecimento de Rosa, esta foi omissa em relação às faltas não justificáveis, permitindo ainda, que aquela assinasse a folha de frequência referente aos dias faltados, de modo a receber integralmente sua remuneração, incorrendo em cristalina prática lesiva ao erário”, pontuou no inquérito o promotor Ricardo Rottuno.

O MPE solicitou copias das folhas de frequência entre os anos de 2012 e 2014, bem como a cópia do passaporte utilizado por esta durante o mesmo período, e constatou irregularidades, já que a servidora não poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo.

Segundo o promotor, em um dos casos, entre os dias 29/05/2012 a 06/06/2012, Elisabete  não compareceu ao trabalho, pois estaria de licença para tratamento de saúde, conforme atestado apresentado. Todavia, seu passaporte mostrava que ela estava na Espanha.

“Ora, das duas uma, ou a justificativa de ausência apresentada por ela não condiz com a realidade, ou esta estava realizando tratamento médico no exterior, o que deveria ter sido comprovado por ocasião das defesas apresentadas em sede extrajudicial, e não foi”, frisou o promotor.

A servidora, com conhecimento de sua chefe, Rosa, afirma o MP, também assinou a folha de ponto em outras viagens para fora do país, como quando visitou a Argentina, Paraguai e a China.

“A primeira requerida (Elisabete) somente logrou êxito nas práticas irregulares pois contou com a conivência e o apoio de Rosa Maria Picolli, sua chefe imediata, que não só se omitiu quanto à fiscalização de sua atividade funcional, como permitiu que a pratica irregular permanecesse ocorrendo ao longo do tempo”, diz o MP.

Defesa

Rosa e Elisabete alegaram, em suas defesas, que suas condutas ‘não caracterizam ato de improbidade administrativa, uma vez que não houve o dolo necessário para tanto’, e ‘insistem que por não terem praticado qualquer conduta dolosa, não se mostra possível a propositura de ação de improbidade administrativa, ante a ausência de um dos seus requisitos’.

As servidoras também sustentam que as provas apresentadas no processo foram obtidas de forma ilegal, já que não ‘atenderem os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como da intimidade e privacidade. Afirmam, ainda, que o Ministério Público sequer oportunizou a oitiva das partes por ocasião da colheita de provas ou dos indícios que sustentam a presente’.

Pedidos

Para o Ministério Público a servidora que viajou e assinou folha de ponto ‘enriqueceu ilicitamente’, enquanto a chefe do setor teria sido ‘comissiva e omissiva’, já que ‘dispensava tratamento diferenciado’ à subalterna, sendo que ambas ‘ofenderam’ os princípios da legalidade, moralidade, eficiência e impessoalidade.

Para o promotor, o inquérito deixou claro que ‘Rosa Maria Picolli Machado de Souza permanecia inerte, omitindo-se no dever de fiscalizar e sendo conivente com a continuidade das práticas irregulares, chancelando as informações falsas prestadas por Elisabete Kruk Freitas Baldasso, enquanto esta descumpria sua carga horária de trabalho, para satisfazer interesses pessoais, fazendo viagens ao exterior, assinando suas folhas de frequência como se houvesse prestado o serviço público, pelo que recebia sua remuneração integralmente, causando danos ao patrimônio público e enriquecendo-se de maneira ilícita’.

Diante das irregularidades, o Ministério Público pediu, às duas, o ressarcimento de quase R$ 11 mil (valor recebido por Elisabete irregularmente no período em que estava fora de Dourados), pagamento de multa no importe de 10 (dez) vezes o valor do dano, perda do cargo e/ou função pública, suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o poder público, por 05 (cinco) anos, e ainda pagamento da custas judiciais (R$ 229 mil).

As duas já são rés em um processo que tramita na 8ª Vara Civil da Comarca de Dourados. O prazo para análise da defesa nos autos ainda está em curso.

A aposentadoria voluntária de Elisabete foi publicada no Diário Oficial do Estado de 3 de novembro de 2015. Segundo o Portal de Transparência do governo estadual, ela recebe atualmente, de remuneração fixa, R$ 12,2 mil, e líquido R$ 9,3 mil.

Controle

Para coibir fraudes no registro de frequência  dos servidores, a gestão do Governo do Estado, já iniciou um processo de auditoria na folha de pagamento, que implica, inclusive, na verificação in loco da presença do servidor em seu local de trabalho.

“Qualquer denúncia que chega a gente manda apurar e abre um processo administrativo. Precisamos ser implacáveis. Não pode ter política de impunidade”, frisou o titular da SAD (Secretaria de Estado de  Administração e Desburocratização), Édio Viegas.

Segundo o secretário, o governo já iniciou instalação de ponto eletrônico em algumas pastas, bem como já colocou em prática ações de valorização do servidor, o que inclui questões como assiduidade. A assinatura de folhas de frequência por parte dos servidores públicos é comum na maioria das secretarias.