O conhecimento acumulado com anos de atuação frente à 2ª Vara de Direitos Coletivos, em Campo Grande, também deu ao juiz David de Oliveira Gomes Filho uma análise apurada sobre o sistema da nossa justiça, especialmente no que tange às eleições que se aproximam ainda este ano. Com paciência e cuidado, ele acredita que a mudança de consciência do eleitor é a chave para um sistema muito mais transparente e fluído na hora hora de escolher nossos representantes.
David de Oliveira é também um dos cinco juízes que vão atuar em cinco zona eleitorais durante as eleições 2016, após uma divisão de tarefas realizada pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral), para que o processo ocorra sem nenhum tipo de problema, e que denúncias sejam verificadas, e se caso for, direcionadas pela justiça.
Com uma consciência moderna, de quem sabe que hoje as eleições estão muito diferentes graças à toda tecnologia disponível em função da internet, ele é responsável por cuidar se a propaganda feita pelos partidos e candidatos se mantém transparente. Pensando nisso, o Jornal Midiamax apresenta abaixo uma entrevista onde ele explica tudo isso em detalhes. Confira na íntegra.
As eleições estão se aproximando, e existem os candidatos apoiados pelo governo, e aqueles que não são. O que o senhor pensa da utilização da máquina pública na hora de apoiar um determinado candidato? Como a justiça avalia isso?
É proibido que se use da máquina pública para fazer propaganda para o candidato que é apoiado pelo governo. Isso não pode, é proibido. Não pode nem usar para fazer propaganda, nem para dar apoio. É utilização da máquina pública para um candidato.
Como será a questão da fiscalização de irregularidades com propaganda ou com qualquer outro tipo de situação durante o processo eleitoral?
Quando você organiza uma eleição, são muitos os detalhes. Primeiro tem a legislação, a lei diz o que pode e o que não pode. Temos as resoluções que detalhem o que a lei deixou de detalhar. A fiscalização é sob demanda, alguém denuncia, a gente vai lá e toma providência, o promotor acusa e o juiz julga. Se você toma conhecimento de alguma situação com provas, você passa isso para o juiz, que passa para o promotor que dará encaminhamento nisso. O promotor vai investigar.
E sobre a questão da candidatura de políticos implicados pela Lei da Ficha Limpa? Como será essa fiscalização?
A Lei da Ficha Limpa diz que, toda condenação dada por um colegiado, que condenou um candidato por um crime que a inelegibilidade seja uma consequência, mesmo que ainda não tenha transitado em julgado, essa pessoa está barrada em uma próxima eleição. Em tese ela não poderia se candidatar. Quando que a gente vai colocar essa lei em prática? No momento do registro da candidatura. No dia que o candidato for fazer o registro dele, com toda certeza alguém vai trazer essa questão e falar: ele está violando a Lei da Ficha Limpa, ele foi condenado, embora não esteja transitado em julgado, ele foi condenado. Aí vamos ouvir os dois lados. Não podemos dizer então que a lei “não vale nada”. Temos que aguardar o registro do candidato.
Como o cidadão pode exercer seu direito à cidadania para além do voto? Além de votar, de que forma ele pode colaborar com a justiça se ele presenciar alguma irregularidade durante as eleições?
A imprensa hoje em dia está fazendo toda a diferença. A gente cresce aprendendo que existem 3 poderes, executivo, legislativo e judiciário. Mas na verdade temos 4 poderes com a imprensa. Para mim vocês são capazes de mobilizar as massas, interferir no discernimento das pessoas, da massa, a respeito do que está acontecendo de bom e de ruim. Graças à imprensa, por exemplo, é que tivemos a (Operação) Lava Jato. Talvez sem a imprensa o juiz Sérgio Moro não conseguiria fazer tudo que ele fez. Sinto que há uma contribuição. A imprensa é uma peça da engrenagem essencial, pois está dando projeção a coisas que antes aconteciam entre quatro paredes e portas fechadas. Hoje tudo é porta de vidro, todo mundo vê e enxerga. Sinto que a contribuição da imprensa nesse processo só vai trazer coisas boas. Além disso, com essa coisa de internet, Whatsapp, Facebook, celular, as pessoas já pegam o Whatsapp e gravam uma mensagem, viralizam aquela informação e em pouco tempo algo é feito. Essa facilidade de comunicação é o que vai ser o diferencial daqui para frente na política, na minha opinião. Os políticos não estão mais imunes à opinião pública e as pessoas estão mais conscientes da força que o grupo de eleitores tem. Existem canais para a denúncia também. Qualquer pessoa do povo pode entrar em contato com uma autoridade policial, Ministério Público, juiz, para fazer uma denúncia, só pedimos que haja um elemento de prova para que a gente tenha um ponto de partida, porque senão você pode estar cometendo um crime de denunciação caluniosa. Todos os tribunais tem ouvidorias, que podem receber essas denúncias. Eu penso que a conscientização das pessoas a respeito do seus direitos é o que vai fazer a diferença.
Qual sua opinião sobre o Fundo dos Partidos no financiamento das campanhas?
O nosso sistema político é complicado pois é um sistema muito caro. Sem dinheiro para campanha você não se elege. Vamos imaginar que em Campo Grande nós temos hoje 800 mil habitantes mais ou menos, com 600 mil eleitores. Imagina que você tem um candidato que precisa convencer esses 600 mil eleitores. Aí você multiplica 100 candidatos. É cara uma campanha dessas. O sistema diz que o candidato precisa buscar voto na cidade inteira e também nos distritos. Agora, se você por exemplo, mudasse o sistema e fizesse um voto distrital, dividisse a cidade, o eleitor só iria buscar votar naquele lugar, o âmbito seria menor. Então é muito difícil essa busca por votos. Uma pessoa que não tem carreira política, que não é conhecida, por exemplo, como que ela vai se tornar conhecida? Tem que gastar dinheiro. Ela sai nessa disputa talvez até em prejuízo. E aí como conseguir esse dinheiro? Através do fundo partidário, ou de doações que nesta eleição vêm de pessoas físicas, antes pessoas jurídicas financiavam campanhas e tudo legalmente, dentro de uma previsão legal que não existe mais. Mas também não é livre, tem um teto nisso. É difícil você avaliar diante das circunstâncias.
Na sua opinião, o que precisa mudar no nosso sistema eleitoral?
O que acho que tem que mudar é o sistema, como eleger os nossos representantes. Como vai ser essa representatividade, isso que temos que mudar. Essa questão do voto majoritário. Um candidato consegue voto para eleger dez pessoas. Ele é legitimamente um representante da população, mas os outros nove foram de arrasto porque estavam no mesmo partido ou na mesma coligação. Elas não representam o povo. Isso eu acho que é uma coisa que tem que mudar. Se eu tivesse esse poder eu mudaria. Talvez essa seja a próxima mudança que nosso país vai ter.
Como está a questão da propaganda eleitoral hoje, em função de tantas novas tecnologias que temos à disposição, principalmente as relacionadas à internet?
Eu penso que a melhor forma é conscientizar os eleitores e candidatos do que pode e o que não pode. Muitas coisas na lei é bom que ela não seja específica demais porque senão ela vai ficar entediante, e vai deixar alguma coisa de fora, e a lei costuma ser feita de uma forma um pouco mais aberta, mais abrangente, deixando que detalhes sejam decididos pelos juízes. Por exemplo, nós temos agora uma tecnologia que antes não existia, nós temos Whatsapp, Telegram, Snapchat. Para mim, na próxima eleição a maior preocupação não vão ser os santinhos na rua. Vai ser a propaganda via internet da forma mais abrangente possível. Temos os malfadados “fakes”, criados para falar mal dos outros. É proibido fazer propaganda para agredir os outros, isso é crime. Tem muitas pessoas perguntando se pode usar Whatsapp ou não pode. A lei fala que telemarketing é proibido, mas mesmo assim fala que as mensagens eletrônicas são permitidas de houver a oportunidade de o destinatário se descredenciar. Aí se parte do seguinte pressuposto: tudo que é propaganda paga na internet é proibida. E só tem um jeito de controlar: o eleitor estando consciente. A frase que devia estar presente na mente do eleitor todo dia é ‘vamos ver se ele está respeitando as regras das eleições’.
Acha que a crise e a questão das leis estarem cada vez mais aplicadas de forma rígida, vão contribuir para uma campanha mais enxuta e menos ostensiva?
Com certeza; O que acontecia antes é que tinham bastante dinheiro para investir em alguns partidos, alguns candidatos. A questão foi sendo reduzida. Hoje você tem a metade do tempo de propaganda, se antes eram 90 dias, hoje teremos 45 dias. Temos menos dinheiro entrando pois as empresas não vão poder doar. Teoricamente vamos diminuir a quantidade de dinheiro que se gasta com isso. Então eu tenho certeza que a propaganda vai se concentrar na internet porque é mais barato, mais abrangente, e se tiver alguma irregularidade é mais complicado de pegar.