Variava de 20% a 25% o percentual da propina que era cobrada sobre obras e isenções fiscais no esquema de desvio de recursos públicos em Mato Grosso do Sul, investigado pela força-tarefa da operação Lama Asfáltica, na quarta fase dos trabalhos, chamada de “Máquinas de Lama”. A ação foi deflagrada nesta quinta-feira (11).
Segundo a Polícia Federal, a investigação apura desvios que ocorreram entre 2011 e 2014, na gestão de André Puccinelli (PMDB), no governo do estado. O ex-governador, inclusive, é um dos investigados. Ele foi conduzido coercitivamente nesta manhã para prestar depoimento na Superintendência da Polícia Federal em Campo Grande e depois, cumprindo medida de restrição de liberdade determinada pela Justiça, colocou uma tornozeleira de monitoramento e teve fiança arbitrada em R$ 1 milhão. Ele tem dois dias para pagar esse valor. Caso contrário o judiciário pode determinar uma restrição ainda maior.
O delegado da PF e diretor regional de Combate ao Crime Organizado da unidade, Cléo Mazzotti, apontou que a corporação pediu a prisão preventiva de Puccinelli nesta fase da operação, mas que a Justiça negou e determinou outras medidas restritivas. Ele frisou que ainda as investigações apontaram que o ex-governador tinha conhecimento do desvio de recursos públicos e que recebia indiretamente dele.
“Entendemos que o governador anterior era beneficiário desse esquema criminoso. Ele sustentou essa situação com verbas do Bndes [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] o que justifica a atuação federal neste caso. Por meio de interpostas pessoas se beneficiava”, afirmou o delegado.
O advogado do ex-governador, Renê Siufi, disse a TV Morena que seu cliente havia sido levado a Polícia Federal para prestar esclarecimentos e que Puccinelli não tem participação em nenhum crime. Ressaltou ainda que está analisando a decisão da Justiça para decidir quais procedimentos vai adotar.
José Paulo Barbieri, superintendente regional da Controladoria Geral da União em Mato Grosso do Sul (CGU), instituição que também integrou a força-tarefa, junto com a PF e a Receita Federal, explicou que nesta etapa a operação se concentrou em duas linhas de atuação do grupo suspeito de promover os desvios de recursos públicos.
O primeiro o das contratações fraudulentas, feitas por meio de licitações direcionadas, que com a execução precária de obras e superfaturamento de preços, possibilitava o desvio do dinheiro público.
Entre as contratações fraudulentas em obras estão, conforme a força-tarefa, as das rodovias MS-436, MS-180, MS-040, MS-295 e a do Aquário do Pantanal. Em relação ao aquário, eles apontam a má condução da obra, que foi inicialmente contratada por cerca de R$ 80 milhões e já demandou mais de R$ 200 milhões, sem ser concluída.
“A construção da obra sofreu mais de 30 termos aditivos durante a sua execução. Vários itens foram negativados e incluídos outros serviços que não foram licitados. Mais de 65% da obra executada hoje não foi contratada. Foram inseridos itens por meio de aditivos”, ressaltou o superintendente da CGU.
Outra contratação ilegal feita pela quadrilha, conforme a força-tarefa foi a compra de 100 mil livros paradidáticos feita sem licitação e sem real necessidade pela secretaria estadual de Educação na gestão de Puccinelli, com o custo de R$ 11 milhões. Os livros foram adquiridos junto à gráfica Alvorada.
O proprietário da gráfica, Mirched Jafar Júnior, e o ex-servidor da secretária, que autorizou a dispensa de licitação, Jodascil Lopes, estão entre as três pessoas que tiveram o mandado de prisão preventiva expedido pela Justiça nesta etapa da operação. O advogado de Jafar Júnior disse somente depois de acompanhar o depoimento do cliente se pronunciaria sobre o caso.
Incentivos
O segundo foco da operação desta quinta foi relativo as isenções fiscais concedidas a algumas empresas, que, conforme Barbieri, em troca do benefício, pagavam sobre o valor economizado, um percentual, estipulado entre 20% e 25%, como propina aos integrantes da quadrilha.
Um dos instrumentos mais utilizados para fazer o pagamento das propinas nos dois casos, conforme o superintendente da CGU, era por meio da locação fictícia de máquinas em empresas de outros integrantes da grupo, que depois faziam os repasses aos outros suspeitos, lavando o dinheiro. Em razão dessa prática essa fase da operação foi batizada de “Máquinas de Lama”.
Entre as empresas que teriam se beneficiado e que foram alvos de mandados de busca e apreensão nesta manhã estão, o frigorífico JBS, a fábrica de celulose Eldorado Brasil e ainda a concessionária responsável pelo abastecimento de água em Campo Grande, a Águas Guariroba.
Em nota, a Eldorado confirma que a Polícia Federal realizou busca e apreensão em suas dependências em Três Lagoas na manhã de hoje. “A companhia está segura de que a questão será esclarecida e afirma que todas as suas atividades são realizadas dentro da legalidade. A empresa se mantém à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais”, apontou a empresa no texto.
A Águas Guariroba informou que está a disposição da Justiça e que a empresa não vai se pronunciar sobre o caso no momento.
Já o grupo JBS informou que se coloca à disposição das autoridades e que vai colaborar com as investigações.
No caso da JBS, por exemplo, o delegado da PF, aponta que a companhia locou por um grande período de tempo um número absurdo de máquinas para fazer pavimentação. “Essas locações não tinham sentido lógico. Locavam o mesmo maquinário, por muito tempo, pagando o mesmo preço e quando você vai fazer estrada você loca um maquinário que começa, depois um que vai fazer a pavimentação e se paga pelas horas que são utilizadas. Nesse caso, a empresa pagava as mesmas máquinas, o mesmo tempo, o tempo todo. Você ficaria com máquinas paradas por muito tempo. Ou seja, era contratos que se mostraram fictícios para justificar o pagamento de propina e um processo já inicial de lavagem de capital”, detalhou.
A investigação da força-tarefa da Lama Asfáltica calcula, de acordo com Mazzotti, que a JBS e a Eldorado, que é uma empresa da holding a qual pertence também o frigorífico, tenham pagado em propina em um ano aproximadamente R$ 10 milhões.
Já no que se refere a Águas Guariroba, o delegado da PF, aponta que o valor que teria sido pago é de quase R$ 5 milhões. Ele explica que polícia investiga se uma aquisição feita pela concessionária, de 3 mil livros de direito escritos pelo filho do ex-governador, André Puccinelli Júnior, com o custo de mais de R$ 300 mil, estaria relacionado ao caso.
“Entendemos que essa aquisição é suspeita. São livros jurídicos que foram adquiridos por uma empresa que não têm uma finalidade jurídica e boa parte desses livros depois acabaram sendo repassados ao filho de outro suspeito de envolvimento”, comenta o delegado. Puccinelli Júnior, foi inclusive, uma das pessoas levada coercitivamente para prestar esclarecimentos a Polícia Federal.
Na operação desta quarta-feira, foram expedidos pela Justiça, três mandados de prisão preventiva, nove de condução coercitiva, que é quando a pessoa é levada para depor (incluindo o do ex-governador e o do seu filho), 32 mandados de busca e apreensão e sequestro de valores nas contas bancárias de pessoas físicas e empresas investigadas.
As medidas judiciais foram cumpridas em Campo Grande, Nioaque, Porto Murtinho, Três Lagoas, São Paulo e Curitiba, com a participação de aproximadamente 270 Policiais Federais, servidores da CGU e servidores da Receita Federal.
Patrimônio bloqueado
Um dos desdobramentos desta nova fase das investigações, conforme o delegado, foi o bloqueio judicial no valor de até R$ 100 milhões, dos bens, de cada uma das pessoas e empresas suspeitas de envolvimento nos desvios de recursos públicos.
Justamente a evolução patrimonial de alguns dos investigados ajudou a força-tarefa nas investigação do esquema de desvio de recursos públicos. O auditor fiscal da Receita Federal, Marcelo Lingerfelt, aponta que nós últimos cinco anos, os investigados tiveram um ganho de patrimônio de R$ 160 milhões. “Somente um dos suspeitos quadruplicou, sem justificativa, seus bens, passando de R$ 23 milhões para R$ 89 milhões”.
Ele aponta, que no aspecto fiscal da operação, a Receita entre tributos não recolhidos e multas vai cobrar dos envolvidos R$ 35 milhões.
Outras operações
A primeira operação da PF sobre desvio de dinheiro público em gestões anteriores do governo do Estado foi deflagrada em 9 de julho de 2015. A ação apurava fraude em obras públicas. Em uma delas, grama que deveria ser plantada ao longo de três rodovias era substituída por capim. Todos os investigados negaram as acusações.